Médica endocrinopediatra e pesquisadora em obesidade do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (HUPE-UERJ), em entrevista, aqui nos ressalta cuidados e preceitos vitais para um desenvolvimento pleno da criança.  Vale a reflexão, sobretudo repensar os exemplos que estamos gerando às futuras gerações.

 

Johann Heinrich Pestalozzi, célebre educador, pesquisador e um dos pioneiros da pedagogia moderna, preconizava que a educação deve estar centrada no desenvolvimento integral “da mente, do coração e das mãos”, ou seja, o raciocínio deve estar em equilíbrio com as emoções e o seu estado físico.

Esta educação, no seu sentido global, ou seja, aquela que vai além dos compêndios escolares e acadêmicos, reunindo os valores éticos da família, das instituições, de pais e educadores, sempre acrescidos pela força do exemplo, fortalecida por uma constante reflexão, torna-se vital na construção de clareza quanto às questões envolvendo hábitos alimentares na infância e adolescência.

Pesquisas hoje comprovam: investir em saúde, por meio de uma nutrição saudável, é favorecer o crescimento de crianças e adolescentes e, sobretudo, preservar vidas. O ser humano é essencialmente resultado da educação. Segue a entrevista, e com ela excelente oportunidade de refletirmos.


CAPCS-UERJ: Fale-nos, por favor, sobre pesquisas. Crescem os índices de obesidade infantil… A prevalência é alta. Hoje, qual a real situação e quais as projeções futuras?

Fernanda Gazolla – Atualmente, a obesidade é a desordem metabólica mais comum do Ocidente. Estimativas globais recentes mostram que 170 milhões de crianças e adolescentes foram classificados com sobrepeso ou obesidade.

Segundo informações da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO), a Organização Mundial de Saúde aponta a obesidade como um dos maiores problemas de saúde pública no mundo. A projeção é que, em 2025, cerca de 2,3 bilhões de adultos estejam com sobrepeso; e mais de 700 milhões, obesos. O número de crianças com sobrepeso e obesidade no mundo poderia chegar a 75 milhões, caso nada seja feito.


CAPCS-UERJ: Sua especialidade cuida do desenvolvimento da criança. Como hoje melhor dosar a oferta de conhecimento e aprendizado?

Fernanda Gazolla – A oferta ao conhecimento e ao aprendizado não devem ser restritos somente à infância e à adolescência, devendo fazer parte de todas as fases da vida de um indivíduo.

Porém, essa oferta deve ser iniciada desde a infância, pois é nesta fase da vida que o aprendizado acontece com maior fluência, pois o intelecto está mais aberto ao aprendizado.

Para isso, é necessário o equilíbrio na dose ofertada de conhecimento e aprendizado à criança e ao adolescente que, ao meu ver, só é encontrado e construído, em um primeiro momento, por meio da experimentação de provas e interações no seio da família, da escola e do convívio social na comunidade em que está inserido.

Se estas experimentações e provas não acontecerem de forma equilibrada nestes três cenários, este indivíduo seguirá para a fase adulta sem autonomia, com baixa estima, medos e inseguranças, e com intempestividade, o que, com certeza, acarretará muitos problemas e dificuldades que, se não corrigidos a tempo, poderão se transformar em transtornos emocionais e psíquicos para àquele individuo na vida adulta.


“Saber o melhor caminho”


CAPCS-UERJ: O que vem ocorrendo nos lares é que, em considerável parte, pais e mães estão despreparados para enfrentar as dificuldades do trabalho educativo e acabam por tomar atitudes erradas, tanto na prevenção quanto na área terapêutica, para corrigir os problemas que surgem. O que a medicina pode fazer nesse campo?

Fernanda Gazolla – Dentre os muitos significados e conceitos, assim como as diversas etimologias e origens da palavra medicina, me remeti a um deles, em especial, para responder a essa pergunta: o ato ou conhecimento de “saber o melhor caminho” para algo.

Vocês devem estar surpresos, pois logo pensamos em medicina como o ato de “curar” e “tratar” as doenças. Estes últimos fazem parte do largo espectro de atos que constituem a medicina.

Na infância, o ato de auxiliar a família na escolha do “melhor caminho”, nada mais é do que uma atitude de prevenção de diversos comportamentos e hábitos que, na própria infância ou mais adiante, em qualquer fase da vida daquele indivíduo, podem levar ao adoecimento do corpo, da mente ou de ambos.

E o que medicina pode fazer para auxiliar na escolha do “melhor caminho”? Fornecer as informações, divulgar as pesquisas, propiciar os esclarecimentos e os apoios necessários para que a família vivencie e percorra esse caminho das fases do desenvolvimento e crescimento daquele indivíduo com o preparo necessário para a formação de um adulto saudável e livre das doenças do corpo e da mente.


CAPCS-UERJ: Novas mídias, novas tecnologias, a cada dia uma novidade. Hoje, crianças e adolescentes ficam muitas horas em frente ao computador, ao smartphone. Isso induz a uma alimentação inadequada, muito alimento calórico, falta de exercícios… Como vê essa situação e o que pode ser feito pelos educadores, pesquisadores e por instituições para mudar essa dinâmica? Quais os caminhos alternativos para vencer a obesidade infantil?

Fernanda Gazolla – As novas mídias e tecnologias são parte integrante da vida atual e, a meu ver, como tudo em nossa vida, necessitam ser dosados na quantidade de horas que ocupam a vida cotidiana das crianças e adolescentes.

Assim, tanto os educadores como as instituições devem limitar o tempo de uso dessas mídias e tecnologias, procurando utilizá-las mais no ambiente escolar e nas atividades em grupo de forma educativa, para que o tempo fora da escola seja aproveitado para a realização de atividades lúdicas, com maior contato com a natureza e que estimulem um estilo de vida mais saudável (alimentação e atividade física).

A limitação do tempo de uso dessas novas mídias e tecnologias associada ao estímulo a um estilo de vida mais saudável são atitudes fundamentais na “luta” contra a obesidade infantil.


O valor da integralidade


CAPCS-UERJ: A pesquisadora acredita ser importante que crianças e adolescentes tenham um atendimento multidisciplinar?

Fernanda Gazolla – Não só importante, mas fundamental. E vou além… O atendimento não deve ser multidisciplinar e sim, interdisciplinar; quando todos os profissionais envolvidos fazem as suas avaliações, trocam suas impressões e traçam suas condutas em conjunto. Existe uma comunicação e uma parceria entre os profissionais que assistem àquela criança e adolescente, sendo a assistência feita de forma integral.

A integralidade busca garantir ao individuo uma assistência à saúde que transcenda a prática curativa, baseando-se em ações de promoção, prevenção de agravos e recuperação da saúde, permitindo a percepção holística do indivíduo, considerando o contexto histórico, social, político, familiar e ambiental em que se insere.

Quando essa integralidade se dá, a chance de sucesso e de conquistas com certeza é muito maior.


CAPCS-UERJ: Como, na prática do dia a dia, corrigir a alimentação?

Fernanda Gazolla – Hoje, sabemos que a alimentação de um indivíduo e de sua família faz parte do grupo de atitudes relacionadas ao comportamento, e a mudança de comportamento se viabiliza por meio da educação.

A relação da criança e do adolescente com o alimento e com o ato se alimentar, será determinada pela forma que a família os habituou; e é nesse momento que a educação alimentar da família se faz de suma necessidade, pois a criança se espelha e reproduz os ensinamentos, comportamentos e exemplos que são dados pelo pais.

E em qual momento e de que forma a equipe interdisciplinar deve intervir para a correção? Desde o pré-natal da mãe, se estendendo após o nascimento a todas as consultas de acompanhamento de saúde daquela criança. A intervenção deve ser dada a todos os componentes da família e por meio da conscientização dos familiares e do exemplo de mudança na sua própria.


Somos o que comemos?


CAPCS-UERJ: Os grandes filósofos diziam “somos o que pensamos”. Dentro de sua especialidade clínica, é correto dizer que “somos o que comemos”?

Fernanda Gazolla – Como ressaltei anteriormente, a nossa atitude perante a comida está relacionada a um padrão de comportamento. E este comportamento alimentar está constantemente suscetível ao ambiente familiar, que, na infância, se não for assistido de forma preventiva, com certeza formará um adulto que “será o que comeu”.

Assim, na infância, período em que o intelecto, conforme ressaltado anteriormente, se encontra mais acessível ao aprendizado, podemos mudar o curso dessa filosofia, pois estes “pequenos”, ainda “estão o que comem”.


CAPCS-UERJ: Por certo, todas as nossas relações são educativas. Atitudes, palavras, comportamento… tudo gera ressonância. Como vê hoje nossa sociedade em geral? O que precisamos para um futuro mais afortunado e consciente?

Fernanda Gazolla – Vejo uma sociedade como um barco que se encontra à deriva no “mar”, que é a vida. E que necessita da orientação dos “marinheiros”, que são as relações educativas, para que alcance o destino final, que é a mudança dos padrões de comportamentos que nos levam ao adoecimento do corpo e da mente.

Precisamos da educação dos nossos padrões de comportamentos por meio de relações educativas pautadas na oferta do conhecimento, compartilhamento de experiências, na disciplina, ética, respeito a nós mesmos e ao próximo. Em todos os campos.

 


Por: Felipe Jannuzzi, Jornalista.