A tecnologia robótica em procedimentos cirúrgicos vem tornando-se uma realidade na área da Saúde, em diversas especialidades médicas. É considerada uma técnica minimamente invasiva, além de propiciar diagnósticos mais rápidos e descobertas de doenças ainda na fase inicial. Na ginecologia, mais especificamente no tratamento da endometriose – doença que atinge cerca de sete milhões de brasileiras, segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) –, não é diferente: há muitas vantagens no uso dessa tecnologia.


As cirurgias robóticas têm boa indicação em cirurgias complexas, como em casos de câncer do endométrio, e extensas, como a da endometriose.  Os benefícios, tanto para as pacientes quanto para os médicos, são diversos. Entre eles, visão em 3D e alta definição, mais precisão, melhor ergonomia cirúrgica e menor tempo de recuperação.

 

No dia 8 de março é celebrado, mundialmente, o Dia Internacional da Mulher. Excelente oportunidade, portanto, para conscientizar a sociedade sobre os diversos problemas de saúde e distúrbios comuns na vida das mulheres. Nesse sentido, tornam-se vitais reflexões, capacitação e planejamentos para estreitar o contato dos profissionais com a comunidade feminina, com foco na prevenção, promoção e cuidado com a saúde da mulher.

 

Buscando mais esclarecimentos sobre o tema, o Centro de Apoio à Pesquisa no Complexo de Saúde da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CAPCS-UERJ) conversou com o médico ginecologista Marco Aurelio Pinho de Oliveira, professor de Ginecologia e Chefe da Disciplina de Ginecologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCM/UERJ), além de coordenador do Ambulatório de Endometriose do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE/UERJ). Seguem relevantes informações na construção de caminhos para uma vida mais saudável.


CAPCS-UERJ – Em março [no dia 8] celebramos o Dia Internacional da Mulher. Fale-nos, por favor, sobre a necessidade de uma boa intercomunicação entre saúde da mulher & medicina preventiva.

Marco Aurelio Pinho de Oliveira – Para promoção adequada da Saúde, é fundamental o apoio da medicina preventiva, pois com ela é possível evitar o aparecimento da doença. O ideal é ir à busca da prevenção primária, ou seja, evitar o surgimento da doença. Quando isso não for possível, deve ser buscada a prevenção secundária, que consiste em fazer o diagnóstico mais precoce possível para que a doença seja detectada ainda em estágios iniciais.


CAPCS-UERJ – Fale-nos mais sobre prevenção primária e prevenção secundária…

Marco Aurelio Pinho de Oliveira – A prevenção primária mais conhecida no campo da Ginecologia é o teste de Papanicolaou (conhecido como preventivo ginecológico), que consiste na análise das células do colo do útero para que se possa prevenir o aparecimento do câncer de colo. A mamografia é um exemplo de prevenção secundária – quando realizada periodicamente pode detectar o câncer de mama ainda em fase inicial, permitindo tratamento menos radical e maiores chances de cura. Outro exemplo de prevenção secundária é o diagnóstico precoce da endometriose. Quando o médico está atento aos sintomas da doença, especialmente cólica menstrual muito forte ou dificuldade para engravidar, os exames podem ser feitos sem demora. Isso pode evitar o retardo diagnóstico, que costuma ser de até oito anos, seja no Brasil, seja no mundo.


A endometriose

CAPCS-UERJ – Sobre o uso de robôs em procedimentos cirúrgicos. Na Ginecologia, ele é especificamente mais utilizado no tratamento da endometriose, doença que atinge aproximadamente sete milhões de brasileiras, segundo estimativa da OMS. Fale-nos, por favor, sobre estes índices e sobre a doença em si.

Marco Aurelio Pinho de Oliveira – A endometriose é um processo inflamatório decorrente do crescimento das células do endométrio — tecido que reveste o interior do útero — nos demais órgãos do sistema reprodutivo, intestino, bexiga e até mesmo em outras regiões do organismo. Os principais sintomas são dores intensas durante o período menstrual, nas relações sexuais e ao evacuar e urinar. A infertilidade também é uma queixa comum.

Estima-se que 15% das mulheres tenham endometriose. Isso aumenta para cerca de 50% quando a mulher tem dor pélvica, especialmente cólicas menstruais, ou infertilidade. A endometriose atinge principalmente a pelve feminina, incluindo ovários e trompas. A endometriose fora do sistema reprodutivo é menos frequente, mas pode ser extremamente perigosa quando detectada tardiamente. Se houver envolvimento extenso no intestino ou na bexiga, por exemplo, é necessário submeter a paciente à cirurgia imediatamente. No primeiro caso, existe chance de obstrução intestinal. No segundo, especialmente se os focos estiverem próximos aos óstios ureterais, há risco de dilatação dos rins. Os rins que se dilatam por muito tempo perdem a função, ou seja, a mulher pode ser obrigada a fazer diálise ou um transplante.

A doença também pode atingir terminações nervosas e causar sintomas típicos de problemas ortopédicos. Quando o nervo frênico é acometido, é possível haver dores no ombro direito e na área do pescoço. A endometriose no nervo ciático, por sua vez, é capaz de causar dores na região lombar, no músculo posterior da coxa e algumas vezes irradiar por toda a perna. Em ocasiões mais raras, focos crescem em órgãos ainda mais afastados da pelve, como o pulmão.


CAPCS-UERJ – Sobre sua experiência ambulatorial e principais dúvidas das mulheres que chegam à unidade [Ambulatório de Endometriose do Hospital Universitário Pedro Ernesto/UERJ]: fale-nos sobre a relação entre a doença e a infertilidade e sua associação com o câncer.

Marco Aurelio Pinho de Oliveira – A endometriose pode causar infertilidade. Aproximadamente 50% das mulheres com endometriose apresentam infertilidade. A doença é também a principal responsável pelo problema no sexo feminino: cerca de 40% das mulheres inférteis, considerando todas as causas, têm endometriose. Estudos internacionais apontam que as chances de gravidez natural pós-cirurgia de endometriose, se realizada por profissional experiente, chegam a 50% nos casos de endometriose intestinal extensa, que demanda a retirada de parte do órgão. Esse número se refere ao procedimento laparoscópico, minimamente invasivo. A cirurgia tradicional, de barriga aberta, apresenta resultados piores, provavelmente em função do maior grau de aderências gerado pela operação.

Caso não tenham sucesso ou optem por não engravidar naturalmente, as mulheres também podem se submeter à inseminação artificial ou pela fertilização in vitro (FIV), na qual o óvulo fecundado em laboratório e reinserido na cavidade uterina.  A FIV é especialmente indicada em casos mais avançados, quando há comprometimento das tubas uterinas, mas também pode ser feita por pacientes com quadros de endometriose menos graves.


CAPCS-UERJ – Sobre as chances de desenvolver câncer…

Marco Aurelio Pinho de Oliveira – As chances de desenvolver câncer são extremamente baixas, e existem várias outras condições mais relevantes que podem desencadear um câncer.  O mecanismo das duas doenças tem similaridades no que se refere ao comportamento celular. Na endometriose, assim como no câncer, as células crescem fora de seu lugar habitual – a endometriose ocorre quando o tecido endometrial, que reveste a parede interna do útero, vai parar em cima de outros órgãos, como tubas, ovários, bexiga e intestino.

No entanto, apesar de poder atingir vários órgãos distintos e se disseminar localmente ou à distância (não são metástases como no câncer), a endometriose é uma doença benigna. Sabe-se que a relação da endometriose com o câncer é muito pequena, em torno de 0,5% a 1% dos casos, e por isso, normalmente, não é levada em conta no tratamento. Nenhum estudo, até o momento, conseguiu mostrar uma relação clinicamente significativa entre a endometriose e o câncer, ou uma evolução frequente da endometriose para uma doença maligna. Além disso, o câncer depende de outros fatores, inclusive genéticos, para se desenvolver.


A tecnologia robótica

CAPCS-UERJ – E os benefícios – tanto para as pacientes quanto para os médicos, do uso de robôs em procedimentos cirúrgicos. Fale-nos um pouco sobre a dinâmica da cirurgia robótica e suas vantagens…

Marco Aurelio Pinho de Oliveira – O equipamento mais utilizado no mundo consiste basicamente em um console, no qual o médico visualiza e comanda por meio de joysticks acoplados aos dedos três ou quatro braços robóticos, e um endoscópio de alta resolução que permite visualizar a área a ser operada em 3D. Todos os movimentos da mão do cirurgião são perfeitamente imitados.

Entre os principais benefícios dos robôs está a eliminação dos inevitáveis tremores das mãos do cirurgião e do assistente responsável por manejar a câmera. A estabilidade propicia intervenções mais precisas e, consequentemente, ajuda a preservar nervos que poderiam ser danificados em uma cirurgia de endometriose extensa, por exemplo. Por esses motivos, alguns cirurgiões consideram a robótica como evolução da cirurgia laparoscópica. Além disso, na medida em que o cirurgião permanece sentado durante toda a operação, o processo é menos desgastante — característica que o torna especialmente útil em intervenções demoradas como a ressecção dos focos extensos da endometriose.


CAPCS-UERJ – E quais as vantagens do método [cirurgia robótica] também no pós-operatório…

Marco Aurelio Pinho de Oliveira – Em relação à cirurgia convencional (barriga aberta) a robótica propicia recuperação mais rápida, melhor estética, menos dor e infecções. Em relação à laparoscopia convencional os resultados são semelhantes, já que a laparoscopia também é uma cirurgia minimamente invasiva.


Gravidez natural

CAPCS-UERJ – A cirurgia é de fato o melhor caminho para a paciente que quer ter filhos e não consegue por causa da endometriose?

Marco Aurelio Pinho de Oliveira – Estudos internacionais apontam que as chances de gravidez natural pós-cirurgia de endometriose, se realizada por profissional experiente, chega de um modo geral a 60%. Caso não tenham sucesso ou optem por não engravidar naturalmente, as mulheres também podem se submeter à inseminação artificial ou pela fertilização in vitro (FIV), na qual o óvulo fecundado em laboratório e reinserido na cavidade uterina.  A FIV é especialmente indicada em casos mais avançados, quando há comprometimento das tubas uterinas, mas também pode ser feita por pacientes com quadros de endometriose menos graves.


CAPCS-UERJ – Sua experiência ambulatorial gerou um livro. Fale-nos, por favor, um pouco sobre a obra – Endometriose profunda: o que você precisa saber – (Editora DiLivros), lançado em 2016.

Marco Aurelio Pinho de Oliveira – Esse foi o primeiro livro sobre endometriose profunda para leigos publicado no Brasil. Ele foi feito no formato de perguntas e respostas (mais de 100) para que ficasse bem claro e objetivo para o público em geral. Essas perguntas foram selecionadas pelas dúvidas mais frequentes das pacientes, contando com nossa experiência nos 25 anos no acompanhamento e tratamento da endometriose. Foram incluídas também estórias verídicas de portadoras da endometriose para que o leitor pudesse entender um pouco mais do sofrimento dessas mulheres, mas também perceber que existe solução adequada para a maioria dos casos.


CAPCS-UERJ – Fique à vontade para algo mais que queira ressaltar sobre a relevância deste método [cirurgia robótica], que vem tornando-se uma realidade na área da Saúde, ou algo mais que queira destacar sobre a saúde da mulher [prevenção e hábitos saudáveis].

Marco Aurelio Pinho de Oliveira – As cirurgias robóticas vêm aumentando a cada dia e atualmente temos cerca de 50 robôs no Brasil e cerca de 3.000 nos Estados Unidos. É importante capacitar o ginecologista que ainda realiza cirurgia de barriga aberta para a cirurgia minimamente invasiva. Os estudos mostram que na cirurgia robótica a curva de aprendizado é menor do que para a cirurgia laparoscópica. Isso pode ajudar no aumento de cirurgias minimamente invasivas no campo da ginecologia. No Brasil já existem robôs em instituições públicas, porém, o HUPE é o único hospital público que possui o robô Xi (última geração). Neste ano (2019), esperamos contribuir para a disseminação da robótica entre os ginecologistas, pois vamos coordenar a primeira pós-graduação de cirurgia robótica em ginecologia no Brasil, em conjunto com o Instituto D’Or (ID’Or). Vamos em frente.



Por Felipe Jannuzzi, Jornalista do CAPCS-UERJ.
Em: 07/03/2019.