O que os estudos epidemiológicos podem nos dizer? Como são realizados? Aqui, veremos classificações, conceitos básicos e aplicações.

O ramo da medicina que trata da metodologia da pesquisa é conhecido como Epidemiologia Clínica. Sua contribuição reside na procura de respostas para as questões clínicas, assim como conduzir decisões baseadas nas melhores evidências disponíveis.  A bioestatística introduziu a análise estatística para a confirmação de achados, assim como para a avaliação de tratamentos médicos, fornecendo, assim, dados relevantes para a tomada de decisão na prática médica.

Dessa forma, a solidez de uma evidência é dependente tanto do rigor metodológico quanto do tipo de estudo planejado. Neste sentido, começaremos abordando os principais tipos de estudos epidemiológicos.

Os estudos epidemiológicos podem ser classificados em observacionais ou experimentais. Os níveis de evidência destes estudos estão hierarquizados de acordo com os seus graus de confiança que está relacionado à qualidade metodológica dos mesmos. No topo da pirâmide encontram-se as revisões sistemáticas, seguidas de ensaios clínicos controlados randomizados, estudos de coorte, estudos de caso-controle, série de casos, relato de casos e por fim, a opinião de especialistas/ estudos in vitro ou com animais.

Na dica deste mês, os estudos observacionais serão abordados do delineamento mais simples aos mais complexos. Nas dicas subsequentes serão relatados os estudos experimentais, bem como as principais vantagens e desvantagens de cada tipo de delineamento.

 

Estudos observacionais

Os estudos observacionais permitem que a natureza determine o seu curso: o investigador mede, mas não intervém na pesquisa. Esses estudos podem ser descritivos e analítico. Um estudo descritivo limita-se a descrever a ocorrência de uma doença em uma população, sendo, frequentemente, o primeiro passo de uma investigação epidemiológica. Os principais estudos descritivos incluem série de casos (descrição de uma série de pacientes) ou relatos de caso (descrições de pacientes individuais), são especialmente úteis em situações de detecção de epidemias, descrição de características de novas doenças, formulação de hipóteses sobre possíveis causas para doenças, descrição de resultados de terapias propostas para doenças raras e de efeitos adversos raros em doenças comuns.

 

Delineamentos observacionais analíticos

Os delineamentos observacionais analíticos tentam quantificar a relação entre dois fatores, ou seja, o efeito de uma exposição sobre um desfecho. Estes incluem estudos observacionais do tipo caso-controle, de coorte e estudos populacionais transversais. O estudo analítico de corte ou transversal é um tipo de estudo onde a relação exposição-doença em uma população é investigada em um momento particular, fornecendo um retrato da situação naquele momento. Avaliam a relação entre as doenças e outras variáveis de interesse que existem em uma população definida (exposição e desfecho são medidos no mesmo momento). São utilizados para quantificar a prevalência de uma doença ou fator de risco e também a acurácia de um teste diagnóstico. São ensaios relativamente simples e baratos, eticamente seguros, porém, estabelecem apenas uma associação e não a casualidade. Na investigação de surtos epidêmicos, a realização de um estudo transversal medindo diversas exposições é, em geral, o primeiro passo para a determinação da sua causa.

 

Estudos de caso-controle

Estudos de caso-controle constituem uma forma relativamente simples de investigar a causa das doenças, particularmente doenças raras. Neste tipo de estudo são incluídos dois grupos semelhantes a partir de uma população em risco. A diferença entre os grupos é a presença ou ausência de doença. Os pesquisadores “olham para o passado”, para medir a frequência de exposição a um possível fator de risco nos dois grupos. Por esta razão, os estudos de caso-controle são também chamados de estudos retrospectivos. Um exemplo clássico de um estudo de casos e controles foi a descoberta da relação entre a talidomida e defeitos dos membros do corpo em bebês nascidos na República Federal da Alemanha entre 1959 e 1960. O estudo, realizado em 1961 comparou crianças afetadas com crianças normais. Das 46 mulheres que tiveram bebês com malformações típicas, 41 haviam tomado talidomida entre a quarta e a nona semanas de gestação, enquanto nenhuma das 300 mães do grupo controle, que tiveram crianças normais, havia ingerido essa droga neste período. Como pode ser observado, esse tipo de estudo incluiu pessoas com a doença – grupo caso (mães que tiveram bebês com malformações) e pessoas sem a doença – grupo controle (mães que tiveram bebês sem malformações). O fator em exposição estudado foi a utilização da talidomida dentro de cada grupo.

Estudo de coorte

Em um estudo de coorte, um grupo de pessoas é reunido, sem que nenhuma das pessoas tenham sofrido o desfecho de interesse, mas podendo vir a sofrer. O termo coorte é utilizado para descrever um grupo de pessoas que tem algo em comum quando são reunidas e que são observadas por um período, para analisar o que ocorre com elas. As observações da coorte devem satisfazer a três critérios, se as observações pretendem fornecer informações sólidas sobre o risco da doença. Neste sentido, os indivíduos devem ser livres da doença quando são reunidos. O período de observação deve ser significativo de acordo com a história natural da doença. Isso é necessário para que haja tempo suficiente para que o risco possa ser expresso. Por último, os membros da coorte precisam ser observados durante todo o tempo do seguimento. Uma coorte incompleta pode não representar a situação verdadeira, uma vez que as pessoas podem abandonar o estudo e o motivo pode estar relacionado ao desfecho investigado. Na coorte prospectiva, no momento do ingresso dos indivíduos no estudo, estes são classificados de acordo com as características (por exemplo, possíveis fatores de risco) que podem estar relacionados ao desfecho. Para cada fator de risco, os membros da coorte são classificados como expostos (isto é, apresentando o fator em questão, como ser tabagista) ou não-expostos. Todos os membros da coorte são observados durante algum tempo para verificar quais deles experimentam o desfecho (câncer de pulmão), e as taxas dos desfechos são comparadas entre o grupo exposto e não-exposto. Como mencionado anteriormente, em estudos de coorte, a incidência da doença é comparada entre dois ou mais grupos que diferem quanto à exposição a um possível fator de risco.

O estudo de coorte também pode ser conduzido a partir da identificação de registros passados e acompanhados daquele momento em diante até o presente (também chamado de coorte histórica ou coorte retrospectiva). Porém, este tipo de delineamento não deve ser confundido com o de caso-controle! Um exemplo de coorte retrospectiva pode ser observado em um estudo desenvolvido na Dinamarca na década de 1990. Isto porque nesta época a incidência de autismo aumentou acentuadamente coincidindo com o uso da vacina contra sarampo, caxumba e rubéola. A fim de avaliar se o uso da vacina era um fator de risco foi conduzido um estudo de coorte retrospectivo incluindo todas as crianças nascidas em janeiro de 1991 a dezembro de 1998. Os pesquisadores revisaram os registros médicos das crianças e observaram que 82% receberam a vacina e que algumas delas, tinham desenvolvido o desfecho em questão (autismo). A frequência da doença entre as crianças que não foram vacinadas foi semelhante às que receberam a vacina. Este, bem como outros estudos forneceram fortes evidências contra a sugestão de que a vacina causa autismo.

Estudos experimentais serão abordados em nossas próximas colunas!


Referências

Mellin GW, Katzenstein M. The saga of thalidomide. Neuropathy to embryopathy, with case reports of congenital anomalies. N Engl J Med 1962;267:1238-44.
Fletcher RH, Fletcher SW. Epidemiologia clínica – elementos essenciais. 4. ed. Porto Alegre: Artmed Editora, 2006.
Oliveira DAL. Práticas clínicas baseadas em evidências. Módulo pedagógico. São Paulo: UNA-SUS/UNIFESP; 2010.
Bonita R, Beaglehole R, Kjellstrom T. Epidemiologia Básica. 2ª ed. São Paulo: Grupo Editorial Nacional; 2010.


Por Tainah de Paula
Consultora – CAPCS / UERJ